ANÁLISE: DESURBANISMO


Análise pessoal do tema Desurbanismo, desenvolvida pela acadêmica Loyane Karen Pavão, tendo como base o livro Paisagem Urbana, de Gordon Cullen (1961).
CULLEN, Gordon. PAISAGEM URBANA. 70 ARQUITETURA E URBANISMO, Reinhold Pub. Corp., 1961. 202 pág.

DESURBANISMO
Para se entender o tema desurbanismo, primeiramente, é necessária a compreensão dos conceitos arquitetura e paisagem urbana. Segundo o autor, um edifício é arquitetura, e, dois ou mais edifícios caracterizariam uma paisagem urbana. Ainda afirma, que a multiplicação da paisagem urbana em escala de cidade compõe a arte urbana, pois até mesmo um pequeno grupo de edifícios pode assumir uma expressão própria. É feita também a comparação dos edifícios à letras, dando apenas duas tipologias quanto às formas dos edifícios.
Se me fosse pedido para definir o conceito de paisagem urbana, diria que um edifício é arquitetura, mas dois seriam já paisagem urbana, por que a relação entre dois edifícios próximos é suficiente para libertar a arte da paisagem urbana. As relações entre os edifícios, o espaço entre eles, são questões que imediatamente se afiguram importantes. Multiplique isto à escala de uma cidade e obtém-se a arte do ambiente urbano: as possibilidades de relacionação aumentam, juntamente com as hipóteses a explorar, e os partidos a tomar. Até um pequeno grupo de edifícios pode assumir uma expressão própria, e ser espacialmente estimulante. Mas através da observação da cidade construída pela especulação ou pelas autoridades locais é-se forçado a constatar que esta concepção de paisagem urbana não tem sido respeitada (no melhor dos casos). Continuamos ainda numa fase primitiva em que o edifício isolado é por si a totalidade e finalidade do urbanismo. Se pensarmos os edifícios como letras do alfabeto, reparamos que elas não são utilizadas para formar palavras coerentes, mas sim gritos monótonos e desolados de AAAAA! Ou OOOOO! E quanto às novas cidades desenhadas por arquitetos contemporâneos para quebrar o velho jogo do AAAA-OOOO? (CULLEN, 1961, p. 135)
O autor cita imagens com exemplos alheios ao verdadeiro sentido do urbanismo, onde as edificações se distanciam umas das outras, ou aglomeram-se tanto a ponto de tornar os moradores reféns de comércios itinerantes. Em uma das imagens, discorre “O verdadeiro objetivo da vítima da miséria industrial é o campo, com sua moradia ideal, enquadrada por árvores que vêm beijar a pequena horta, ao som de *Deus abençoe esta casa*”, fazendo alusão a um dos motivos da desurbanização presente em meados de 1961.
Ao longo do tema, cita localidades Europeias como exemplos para suas constatações, como Adeyfield, onde a ocupação residencial era tão condensada a ponto de não haver pontos comerciais fixos nas proximidades, o que considerou um descontrole na escala de desenvolvimento urbano. Levantou, também o questionamento a cerca do destino do solo não edificado, onde qualquer alternativa parecia onerosa demais para a satisfação do poder público.
O ambiente resultante do isolacionismo pode ser analizado na perspectiva aérea parcial de Adeyfield, em Hemel Hempstead New Town (fig. 5), que se revela uma tão generosa ocupação, que a infeliz dona de casa se vê reduzida a fazer suas compras em lojas itinerantes, (fig 6). A utilidade do comércio deste tipo nas planícies canadianas é compreensível, más encontrá-lo numa pequena cidade inglesa só vem demonstrar que se perdeu totalmente o controle da escala do desenvolvimento.  Outro problema derivado deste mesmo gigantismo de escala é a questão de saber o que fazer com todo o solo que não é ocupado com construção (fig. 7, Stevenage). Fazer ruas? Basta fazê-las relativamente estreitas. Fazer passeios então? Se a rua é estreita, os passeios deverão ser largos, suficientemente para conter as multidões que fazem compras em Oxford Street; Mas a dez xelins a jarda quadrada? Seguramente que não. Plantar relva então? Mas a relva tem que ser cortada. Plantar flores? Também exigem manutenção. (fig 8 Hemel). (CULLEN, 1961, p. 136)
Em um período onde a cultura norteava os cidadãos a desejar um certo afastamento físico dos demais, levando-os a construir casas em terrenos de grandes proporções e a formação de descampados, principal exemplo de desurbanização da época onde as distâncias entre residências e comércios se tornou ainda maior. O autor abstrai a culpa dos arquitetos, julgando-os vítimas de suas próprias comissões.
Seja como for, a impressão principal da desurbanização é a do descampado, a sensação que os pequenos edifícios de 2 pisos são de longe demasiado insignificantes e temporários para poder competir com a monumentalidade dos espaços. Aquilo a que menos convida é a um passeio a pé; o pobre peão enche-se de desespero perante uma infinidade terrível de extensões ritmadas por grandes lagos de cimento. Deve ser deixado claro, que o carácter fortemente crítico destas observações não é dirigido aos arquitectos, uma vez que na sua maioria, os edifícios em si são bem conseguidos; pena é, que no Plano Geral os arquitectos são vítimas das suas próprias comissões que, inexplicavelmente, alimentam esta febre de dispersão, juntamente com a ideia de que não é muito agradável ter vizinhos, e de que a cidade ideal seria aquela que ocupa – ou desocupa – um descampado (fig 9, Stevenage). (CULLEN, 1961, p. 137)
De acordo com Cullen, o aglomerado desordenado das cidades antigas as tornava sombrias e sujas, dentre outros adjetivos, embora mantivessem o que considerava como essência do urbano. Enquanto, nas novas cidades, o culto ao isolacionismo gerava a antítese desta essência, onde pessoas podem se isolar fisicamente, morando em casas afastadas, ou psicológica, bloqueando suas visões ou encontros com vizinhos.
Uma das características essenciais de um aglomerado traduz-se num encontro de pessoas e serviços tendente a gerar em *calor cívico*. Por muito sobreocupadas, sombrias, sujas e asfixiantes que sejam as cidades mais antigas, na sua maioria mantém esta virtude, que representa o elemento essencial sem o qual uma cidade não será cidade, e com o qual a falta de ar é um mal menor chamemos-lhe a *essência* do urbano. Onde se encontra nas novas cidades? Ou será que as novas cidades são concebidas como negativo das cidades tradicionais, e portanto como negativo da *essência* urbana? Não encontramos nelas traços disso. Em seu lugar, constatamos o crescimento de um novo ideal, que poderia ser descrito como da *baixa-mar*: o culto do isolacionismo. É como se o movimento para fora da cidade se realizasse por pessoas evitando-se cuidadosamente umas às outras, e fazendo de conta que estão sozinhas. O resultado é um paradoxo, o paradoxo do isolamento concentrado, a antítese directa da *essência* do urbano, que resulta como consequência do impulso social. Mudando do isolacionismo físico, para aquilo a que se poderia chamar de isolacionismo psicológico, encontramos um exemplo esclarecedor ao tratamento dado a uma velha igreja em Harlow New Town (cidade nova de Harlow. Os urbanistas esforçaram-se claramente por tirar partido desta pré-existência, mas pensar-se-ia eu uma construção desta natureza seria tomada como um centro para estimular o desenvolvimento, impondo-se como local de reunião, papel que as igrejas sempre desempenharam no urbanismo da Inglaterra. Pelo contrário, foi rodeada por zonas verdes, quando mesmo Deus não exige mais que um acre, e todas as habitações têm as traseiras viradas para ela. De tal maneira que mesmo os pontos de vista mais interessantes sobre a igreja (embora interrompidos abruptamente), parecem involuntários. Noutro exemplo, uma rua comercial, em Stevenage (fig 12)mostra-nos como se lançou aos ventos um outro possível centro ou local de reuniões. É claramente auto-apagado, na simples continuação do alinhamento das habitações. Em lugar de servir como um local de congregação, transforma-se num alinhamento prolongado, em que os edifícios fazem bicha uns atrás dos outros. Ainda outro aspecto da desintegração pode ser encontrado nas moradias de Hemel. (CULLEN, 1961, p. 137-139)
Até mesmo o alinhamento pode trazer desconforto e desurbanizar, pois fica oculta a possibilidade de colaboração mútua.
Quando se registram variações de tipologias, tendem a surgir relações entre os elementos edificados que podem ser utilizados de forma eficaz para animar o conjunto. Aqui, pelo contrário, fica-se com a ideia de que os edifícios desconfiam uns dos outros, que a colaboração mútua é imprecisa. (CULLEN, 1961, p. 139)
Também a repetição desorientada pode se apresentar opressora, trazendo a monotonia, a tristeza e por consequência a lamentação em termos de paisagem urbana.
Pelo contrário, quando os edifícios são idênticos, sem preocupações de alinhamentos e de cotas, não se obtém uma variedade mas sim, uma monotonia, lamentável e triste. AAA... OOO... (CULLEN, 1961, p. 139)
Outro exemplo foi da descentralização de um largo, onde há presença de comércio, acaba por desconectá-lo das residências às quais deveria assistir.
... O nosso último exemplo é o centro cívico de Adeyfield, Hemel Hempstead, fig 14, onde temos a grata ilusão de um largo contendo, sensatamente lojas, cafés, cinema e igreja. No entanto, em lugar de um largo como clímax do bairro, o seu ponto central e principal, este é relegado para um lado, evitando, na medida do possível, uma relação directa com as habitações que em princípio deve servir. (CULLEN, 1961, p. 139)
A exemplo de tradição urbanística inglesa, o autor citou a aldeia de Blanchland (Northumberland), demonstrando, através de imagens, seus principais pontos e sensações que transmitem.
As novas cidades aqui referidas estão em oposição absoluta com toda a tradição do urbanismo inglês, ou, de resto, com qualquer urbanismo. O urbanismo inglês tem sido tradicionalmente mais “aberto” (no passado), que o urbanismo europeu, mas este tipo de espaços descobertos contradiz e compromete toda a ideia de cidade. Pelo contrário, Blanchland no Northumberland, embora não passe de uma aldeia, apresenta características urbanas muito evidentes. Com base na fotografia aérea (página seguinte), foi esboçada a seguinte sequência de pontos de vista de modo a ilustrar as suas características essenciais. (CULLEN, 1961, p. 139)
Comparando Blanchland e Crawley, Gordon Cullen sugere que na primeira localidade a distinção entre urbano e rural é bem demarcada e que a disposição das edificações transmite a agradável sensação de recinto; ao passo que na segunda, o planejamento, apesar de livra-la de engarrafamentos e sobreocupação, enfatiza a cultura de isolamento, onde todos tendem a se afastar fisicamente.
Comparem-se as perspectivas aéreas da página seguinte, a de Blanchland, fig 22, e a da proposta do centro para a cidade nova de Crawley, fig 23. As abordagens ao planeamento parecem ser diamentralmente opostas. Na primeira, o centro é tratado como um espaço essencialmente urbano, em oposição ao espaço essencialmente rural que o rodeia, é pavimentado e não arborizado. Impõe-se como produto humano e como ordem. Para além disso, o edificado foi concebido para transmitir uma noção de recinto, de aconchego, e de expressividade na progressiva descoberta do espaço e do uso. São estes os elementos com que se constroem cidades. Para um exemplo mais recente o leitor é remetido para o Well Hall State, Eltham, construído em 1915 (pag 166). A abordagem em Crawley, por outro lado, parece resultar em exclusivo do repúdio pelas condições que geram engarrafamentos e sobreocupação nas metrópoles. E desta perspectiva será provavelmente um êxito. E no entanto é vazia de tensão, expressão, recintos ou surpresas. Todos os elementos estão lá presentes, mas o ênfase no isolamento é de tal ordem que acabamos por ficar com aquilo do qual partimos: um conjunto de ruas, árvores e edifícios. Em lugar de paisagem urbana temos o culto da arborização, em lugar de ruas ritmadas, AAAA, OOOO, e em lugar de uma concepção de cidade como um lugar aconchegado e vivo, em que os cidadãos se podem reunir para beber, jogar, conversar e envelhecer, enquanto participantes no maior dos privilégios da civilização, o da vida social, não temos quase nada, ou melhor, ficamos com a ideia de que todos os outros cheiram mal e por isso, convém que nos afastemos deles o mais possível. (CULLEN, 1961, p. 140)
Ruas longas, distâncias exageradas, afastamento físico, dentre outros problemas são gerados pela criação de zonas residenciais de baixa densidade populacional, trazendo o adjetivo de subúrbio ao local, por não se caracterizar como rural e estar distante demais da realidade urbana.
Traduzindo para o vocabulário urbanístico, este vazio transforma-se numa zona residencial de baixa densidade – os resultados são deploráveis – donas de casa com pés doloridos, operários cansados de ciclismos forçados, ruas intermináveis e insípidas, a sensação deprimente de ser um provinciano ou suburbano numa paisagem que não pertence à cidade nem ao campo, e a impossibilidade de alguma vez se chegar ao verdadeiro campo, que esta invasão suburbana liquidou. Resultado final – comércio itinerante, e orçamentos elevados a pagar por hectares de passeios desnecessários. (CULLEN, 1961, p. 140)
De acordo com o autor, o foco do desenvolvimento da época deveria estar em melhorar as habitações. Considera um retrocesso a ocupação de terrenos extensos, mas que, na época, ainda não gerava protestos.
Em suma, as cidades novas, à parte uma possível melhoria nos projectos das habitações, avançaram muito pouco em relação às antigas operações residenciais. E, no sentido em que acabam por ocupar uma extensão maior de precioso terreno, representam mesmo um retrocesso. Na perspectiva do que o seu nome lhes exige, cidades novas, apesar de toda a energia administrativa, publicidade e dinheiro que nelas se gastou, o que poderia ter sido uma importante aventura resultou em nada, e menos que nada – e, por enquanto, sem qualquer protesto. (CULLEN, 1961, p. 140)
Por fim, concluo que a leitura do título se torna imprescindível para qualquer estudante ou profissional na área de arquitetura e urbanismo. O autor trata o tema de maneira simples, mas com tamanha destreza e perspicácia que acaba por tornar a literatura aplicável até mesmo nos dias atuais.
Loyane Karen Pavão, 31 de Jullho de 2020.


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