A VALORIZAÇÃO DO INDIVIDUALISMO, A NEGLIGÊNCIA DA UTILIDADE SOCIAL E AS RELAÇÕES DE PODER NA ARQUITETURA
Autor:
Pedro Douglas Vieira Nunes
Revisor:
Hanny Géssylla Nogueira Alves
O
engenheiro e arquiteto romano Marcus Vitrúvio Polião que viveu no século I a.C,
deixou escrito em sua obra de dez volumes, a De Archtectura (aproximadamente 40 a.C.), os princípios fundamentais da arquitetura, conhecidos como: firmitas (solidez), utilitas (utilidade) e venustas
(beleza ou estética) (PORTAL UNIFRA, S/d]). Também podemos citar o tripé da
sustentabilidade, caracterizado por atender as demandas econômicas, ambientais
e sociais. A partir do pilar utilitas de
Vitruvio e do conceito social da sustentabilidade, fundimos esses dois
princípios, formando um novo conceito que é pouco priorizado na arquitetura
contemporânea: “utilidade social”.
A
arquitetura – assim como outras artes – tem enorme influência na sociedade em
geral. A mesma possui diversos movimentos com princípios diferentes. O modernismo
é um exemplo de movimento arquitetônico que foi difundido no século XX e tem
como principal representante o arquiteto Le Corbusier (1887-1965), que
influenciou duas gerações de arquitetos – Oscar Niemeyer (1907-2012) foi
fortemente influenciado por esse movimento -. Le Corbusier, assim como Oscar
Niemeyer, defendia a liberdade irrestrita de criação do artista. Essa “liberdade
de criação” prioriza o indivíduo apenas, não validando a importância do
pensamento social (LIMA, 2010).
Essa
é a problemática que trataremos adiante: a arquitetura individualista e a
arquitetura como utilidade social.
ARQUITETURA INDIVIDUALISTA X ARQUITETURA
SOCIAL
Como
já vimos, no contexto contemporâneo, a arquitetura na maioria das vezes
prioriza o indivíduo. Em todo o processo de projetar, além do arquiteto, o
cliente também é considerado como um indivíduo e, raramente, os usuários da
edificação podem se encaixar nessa categoria. A liberdade de criação, entra
nesse processo, buscando a forma geométrica da construção – o princípio da
estética-, assim como, o modo de se destacar perante várias outras “obras de
arte”. Essa liberdade exige grande giro de dinheiro devido, muitas vezes, os
indivíduos buscarem a ostentação de poder (LIMA, 2010).
No
século XVII e XVIII, a arquitetura era utilizada pelos monarcas afim de
demostrar poder (LIMA, 2010). Partindo desse pressuposto, percebemos que a
Igreja, a fim de impor poder, também utilizava da arquitetura da ostentação em
seus templos e catedrais. Esses fatos nos mostram a influência da arquitetura
na manipulação e alienação.
A
arquitetura também está sujeita à manipulação: por aqueles que desejam usar a
arquitetura como meio de expressão poética; por aqueles que desejam utilizá-la
como meio de propaganda ou símbolo de status nacional, pessoal ou comercial. Na
Alemanha da década de 1930, os arquitetos do Terceiro Reich de Hitler
utilizaram a arquitetura como símbolo de poder; para tanto escolheram um estilo
arquitetônico [...] que evocava uma postura de controle. Quando os nazistas
quiseram sugerir que sua política era a “do povo”, insistiram em um estilo
popular (UNWIN, 2013, p.115).
Em
todos estes casos, a estética é a forma utilizada pelos indivíduos para
promover o próprio ego e manipular a sociedade.
A
estética também pode caracterizar o oposto da ostentação. Um exemplo, são as
casas populares com uma arquitetura carimbada, onde o princípio fundamental é a
fomentação do capitalismo, através do lucro dos investidores, e a negligência
da utilidade social dos usuários. O conceito de utilitas de Vitrúvio e o fundamento social do tripé da
sustentabilidade não são correspondidos nesses casos.
Já
a arquitetura como utilidade social prioriza a ética. Essa, por sua vez, atende
os valores das classes sociais mais baixas, fazendo com que a vida social se
torne mais justa e digna. A ética vai além da estética, retornando os
princípios da arquitetura como função de abrigo e realização social (LIMA,
2013).
O
arquiteto chileno Alejandro Aravena é mundialmente conhecido pela sua dedicação
em projetos com cunho social. Sua obra mais conhecida “Elemental”, no Chile, é o exemplo da abordagem ética da arquitetura
de casas populares, diferente das famosas casas carimbadas (CHATEL, 2017).
Figura 1. Conjunto Elemental. Chile. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/tag/elemental>.
César
Pelli, arquiteto argentino, diz que “os
arquitetos têm que ser parte da sociedade, mas estamos de fora” (DELAQUA,
2017). Essa frase deveria ser refletida pelos profissionais da arquitetura, uma
vez que, o individualismo e a busca pelo destaque e a autopromoção tem
predominado na arte de projetar, e os anseios sociais não são correspondidos.
A
arquitetura vem deixando suas principais características de lado. Muitas
construções priorizam apenas a forma e a solidez, e a utilidade com cunho
social não é atendida. Arquitetos encaram a profissão como uma busca pela
autovalorização e reconhecimento, criando projetos individualistas com objetivo
de mostrar poder sendo que a verdadeira arquitetura só se torna efetiva a
partir do momento em que ela atende a sociedade como um todo e não somente a um
indivíduo.
A
arquitetura como arte, no sentido de provocar emoções, não deve ser utilizada como
meio de manipulação, mas como meio de transformação social. A supervalorização
da estética precisa ser repensada. Ética e estética precisam ser trabalhadas a
fim de andarem juntas. Uma boa estética é válida quando a utilidade social é
priorizada.
“Estamos
criando uma sociedade individualista e fragmentada” (LIMA, 2013). É necessário
parar tudo, rever nossos conceitos éticos e deixa o individualismo de lado. Só
assim poderemos corrigir nossos erros e trabalharmos por uma sociedade melhor.
REFERÊNCIAS
LIMA, Fellipe de Andrade
Abreu e. Ética e estética nas arte,
arquitetura e urbanismo contemporâneos – uma crítica realista. São Paulo:
2013.
PORTAL UNIFRA. Redescoberta dos textos de Vitrúvius.
[200?]. Disponível em: <http://www.unifra.br/professores/13970/aula/Aula%201%20resumo.pdf>.
Acesso em: 03 set. 2017.
UNWIN, Simon. A análise da arquitetura. Tradução
técnica: Alexandre Salvaterra. 3 ed. Porto alegre: Bookman, 2013.
CHATEL, Marie. En perspectiva: Alejandro Aravena. Disponível
em: <http://www.plataformaarquitectura.cl/cl/790041/en-perspectiva-alejandro-aravena>.
Acesso em: 04 set. 2017.
DELAQUA, Victor. 7 conselhos de grandes arquitetos para
jovens arquitetos. Disponível em: < http://www.archdaily.com.br/br/875606/7-conselhos-de-grandes-arquitetos-para-jovens-arquitetos>.
Acesso em: 04 set. 2017.
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